Adão Negro: várias vezes Shazam

Confira a crítica do nosso colunista convidado João Camilo Torres sobre o novo filme baseado em quadrinhos da DC

Não faz muito tempo que Alan Moore, o escritor mais importante de quadrinhos que ostenta uma barba de Mago Merlim, voltou a atacar as adaptações de super-heróis para o cinema. A primeira vez, ele correlacionou o sucesso e o excesso de filmes de super-heróis com a escalada da extrema-direita. 

Não, ele não quer culpar o filme da Turma da Mônica com a fascinação brasileira por um Troll que saiu debaixo da ponte, e sim, indicar que a simplificação desses filmes, herdada dos quadrinhos e produzida para o público infantil, provocava na sociedade incapacidade de reflexão e acomodação, o que foi aproveitado por políticos de extrema para chegar ao poder.

Alguns fãs se sentiram surpresos e até mesmo traídos, mas como pensar assim se a importância de Alan Moore está exatamente nessa crítica ao gênero? É importante existir contracultura e o império Disney é o oposto disso. Moore não odeia quadrinhos, literatura infantil ou mesmo heróis. Ele não admite é o uso banal da nostalgia como mecanismo da indústria cultural para acomodar a população. O que ele sugere é que toda obra tem sua importância, alcance e objetivo e deve provocar questionamentos. E o que tem isso a ver com Adão Negro, novo filme do Universo DC, estrelado por Dwayne “The Rock” Johnson?

Adão Negro é um personagem da galeria de vilões do Capitão Marvel, a.k.a. Shazam. Os quadrinhos do Shazam sempre assumiram sua predileção pelo o público infantil, apresentando narrativas fantasiosas, quase absurdas, que incluíam vilões mais caricatos e tigres falantes. 

O filme Shazam é o maior acerto do “universo” DC exatamente por encarnar esse espírito, mas o filme Adão Negro, por ter um lado escuro, procura agarrar temas mais sérios e realistas. Se ainda apresenta a figura de um adolescente fazendo o elo entre o fã de super-heróis e o personagem Black Adam, exatamente como foi feito em Shazam, sua trama é uma tentativa de alegorizar sobre a intervenção americana em países do Oriente Médio (ou algo similar e como o Adão Negro é chamado de arma em destruição em massa no filme, poderia estar falando tanto do Nicarágua quanto da Coreia do Norte) e abrir as portas para discutir a idolatria de “salvadores heroicos” (que foi feita no segundo Esquadrão Suicida).

O problema do longa-metragem é menos a falta de profundidade do gênero e mais a falta de estrutura para sustentar a discussão. É tudo simplista e genérico. As situações e os personagens (que incluem a Sociedade da Justiça) já foram vistos em todos os filmes e seriados de super-heróis (não estou falando das revistas, que passaram por essa fase há décadas). 

O foco no Adão Negro não traz nada de novo, repetindo-se inclusive a tentativa de usar o humor como forma de expressão, como é feito no MCU. Desta forma, o filme apenas parece mais uma história com mais um vilão final CGI da DC. O filme Shazam realmente escapou da fórmula, mas isso passou batido. Em Adão Negro, gritar Shazam é apenas mais uma das coisas que aconteceu antes.

Falta reflexão. Depois das três temporadas de The Boys, a violência nas cenas de combate, apenas para dizer que o filme é sério e maduro, é tão desnecessária quanto as cenas em câmera lenta. Quando descobriram, com o Mercúrio nos filmes de X-Men, que era possível usar a câmera lenta para representar a velocidade super-humana, parecia que a mania snyderiana seria enterrada de vez. Mas Adão Negro não distingue quando o recurso está sendo usado para mostra um poder dos personagens ou quando é apenas uma (má) opção estilística, que parecem encher a tela de !!!!!!, ao invés de deixar a narrativa fluir naturalmente.   

Tirando isso, ninguém deve sair chateado do cinema. Entretanto, ninguém vai sair entretido com a ideia de que o imperialismo americano é ruim se ela é oriunda de um típico produto do império cultural americano.

Assim, você entende porque as eleições são como são.

Publicado por Lu d'Anunciação

Jornalista, Relações Públicas, Especialista em Gestão da Comunicação e Mestra em Estudos de Linguagens - Análise do Discurso do Cefet-MG. Gosto da natureza, de literatura, HQs, cinema, séries de TV, rpg, board games, de música boa e de nerdices em geral! Adoro preparar quitutes e receber os amigos. Insisto em ser feliz e sou altamente convivível! E amo o Leo!!! Além deste blog, tenho também o www.jeitosaudavel.wordpress.com e sou colunista de RPG e HQs do site Garotas Geeks - www.garotasgeeks.com

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