Confira crítica com spoilers de João Camilo Torres do novo filme do velocista escarlate a ao DCverso cinematográfico
Imagine a história sobre um vilão que insiste em recriar várias vezes a sua versão de uma narrativa, não importando o que será sacrificado ou o resultado final. Poderíamos estar falando do vilão do filme The Flash, mas é sobre o vilão do Universo Cinematográfico da DC que falamos.
A despeito de ter sucesso com, talvez, os dois melhores filmes baseados em quadrinhos de super-heróis conhecidos (o primeiro Superman, de Richard Donner e O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan), a DC tentou emular a organização feita por Kevin Feige para a Marvel, principalmente o retorno financeiro. Para isso, o cineasta Zack Snyder foi contratado para unir Super-Homem, Mulher-Maravilha e Batman e introduzir a Liga da Justiça.

A escolha não poderia ser pior. Feige escolhe os profissionais da Marvel baseado principalmente na leitura do público e na interação com o fanbase, como também ocorre com Harry Potter ou Guerra nas Estrelas, mas Snyder é um cineasta com uma assinatura única. Seus filmes são caracterizados por escolhas estéticas bem características (não é apenas a câmera lenta).
Os resultados têm, ao contrário do que o autor parece crer, filmes bem superficiais. Sucker Punch e Madrugada dos Mortos, por exemplo, são filmes de ação, com personagens simples e sem qualquer profundidade, explorando a estética da violência (algo que o cineasta Sam Peckinpah fazia com muito mais habilidade 50 anos atrás).
Zack Snyder havia adaptado obras de quadrinhos de dois dos maiores autores de língua inglesa: “300”, de Frank Miller e “Watchmen”, de Alan Moore. 300, apesar da qualidade da arte visual de Miller, é uma história simplista e xenofóbica, uma alegoria americana das invasões no Oriente Médio. Já Watchmen é uma obra revolucionária, com diversos níveis narrativos. 300 serviu para os propósitos de Snyder e gerou muitos memes. E Watchmen foi simplificada ao extremo, desvirtuando a mensagem principal de Alan Moore. As duas juntas parecem uma ode à testosterona.
Snyder não alterou a sua visão ao imaginar o universo DC e aproveitou a porta aberta pelas versões sombrias dos anos 90. Seu Super-Homem é violento, capaz de matar e incapaz de resgatar o próprio pai. Seu Batman é um psicopata, sem motivações heroicas. O resultado parecia indicar um caminho para a DC, pois ocorreu um sucesso de público.

Então, ela aconteceu. Ou elas. Nos poucos minutos em que aparece no Batman Vs Superman – A Origem da Justiça, a Mulher-Maravilha sorri e nos lembra que a força dos personagens da DC está no simbolismo mítico que eles possuem. São heróis, versões modernas, ainda que menos ricas, de um Aquiles ou Prometeus. Com o filme de Patty Jenkins, um processo irreversível teve início. Enquanto Snyder finalizava o filme da Liga da Justiça, o público e os chefões da Warner queriam mais daquele sorriso e menos cenhos franzidos.

O resultado foi o Frankenstein Liga da Justiça de Joss Whedon, que foi um fracasso, ao contrário do colorido (procurando) Aquaman e o primeiro Shazam. Não é como se os filmes ficassem bons, mas a diferença foi sensível em um mundo que estava bipolarizado entre cenhos que nos afundaram em uma pandemia e outros pesadelos e sorrisos que traziam esperança. Em suma, parte do sucesso da Marvel estava em entender que universo grit era coisa do passado. Lição que a Pixar havia ensinado com Os Incríveis, que é uma versão melhor do que qualquer versão de Watchmen.
Apesar do afastamento, boatos sobre uma versão Snyder da Liga da Justiça cresceram na web, impulsionados por bots, até se tornarem uma demanda, e apesar de precisarem investir o suficiente para fazer outros filmes, a Warner bancou essa versão. Que não acrescenta nada ao universo DC, ao mundo, à vida de alguém. É um filme tão ruim quanto a versão Whedon.
A questão do velocista vermelho

James Gunn cuja presença na DC já havia mostrado certa habilidade em corrigir os problemas Snyder. Após dirigir o segundo filme do Esquadrão Suicida, bem superior ao primeiro e criar a série Peacemaker, mostrou que sabe misturar humor e violência e ironizar os machões marombados snyderianos, passa a ser o Feige da DC. É um momento de caos e indecisões. E ele é obrigado a extinguir alguns projetos e finalizar o filme do Flash. Problemático por estar conectado ao mundo criado por Snyder e pelo comportamento perdido nos anos 90 da principal estrela, Ezra Miller.

E o resultado é simples. The Flash não é uma obra-prima. O filme é uma versão da história Flashpoint, já adaptada para Animação e no Arrowverse. Ao mudar o passado para salvar a mãe, Barry Allen muda o futuro para pior. É quando ele é jogado no momento de introdução de Snyder: o ataque de Zod no filme Homem de Aço e é obrigado a se aliar a sua versão juvenil (que parece retirado de outro filme sobre viagem no tempo, Bill & Ted), ao Batman envelhecido versão Michael Keaton e a Supergirl.

Existem personagens pouco desenvolvidos (como a Supergirl), clichês (como uma cena de ressurreição de Jesus Cristo) e momentos de puro fanboyismo (como quase toda frase sem sentido de Michael Keaton, que deve estar tentando entender como dançar com demônio sobre a luz do luar até hoje).

Mas isso passa: o filme consegue usar o humor para todas essas cenas, dar sentido aos cameos e manter o ritmo. Ele funciona, basicamente porque o diretor Andrés Muschietti sabe aproveitar a nostalgia, como fez no filme “It: A Coisa”, sem comprometer muito a narrativa. Por exemplo, ao usar “De Volta para o Futuro”, ele já explica para a audiência o que está acontecendo com o tempo.

A mensagem final serve para Kevin Feige: viagens no tempo são um recurso narrativo pobre para resolver os problemas estruturais de seu filme. Elas podem ser usadas, como usaram tão bem na série Legion (com batata-fritas e não macarrão). Não como objetivo do filme, mas apenas como um evento, tão banal quanto ser atingido por raios e dirigir um Delorean. Acontece.

Gostei muito do Snyder Cut Liga da Justiça. Perfeito. Demorado que curti cada minuto. Por mim, o Snyder verso continuaria. O melhor Superman: Cavil, o melhor Batman depois de Balle: Affleck, a Mulher Maravilha tão linda quanto Carter: Gadot.
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