Novo longa-metragem do Capitão América é um típico filme da Marvel e, segundo Voltaire, nem novo, muito menos admirável
Faz parte da narrativa de criação da Marvel, a história de como o Hulk original ganhou a cor verde apenas devido a um erro de impressão ocorrido na primeira edição, que deveria apresentar o personagem cinza. Apesar da cor verde ter se estabelecido como a cor típica dos personagens afetados pela radiação gama (Abominável, She-Hulk e o vilão deste filme, o Líder), com o tempo, Banner voltou a ser cinza, e outras cores foram adicionadas à paleta da família gama.

Não se preocupe, a cor do Hulk Vermelho (no filme, a aparição do personagem é tradada como uma surpresa, sendo revelada aos poucos, e, em mais um curioso caso de SPOILERS típico do MCU, sua presença foi revelada nos trailers) está certinha. O Hulk laranja é o Hulk real.
A Marvel sempre se comparou favoravelmente com a DC ao revindicar que seu universo é mais realista, lidando o mundo real, ao contrário do universo romantizado de heróis arquetípicos e idealizados da rival. Isso é discutível, mas é claramente um padrão da editora que se manifestou nos filmes de maneiras variadas (uniformes pretos para os X-Men!).
Não preciso deixar de lembrar que existe diferença, na arte, entre a linguagem realista e a capacidade de lidar com questões do mundo real, afinal, arte se caracteriza pela estilização da linguagem (visual, sonora, verbal, o que for). Ou seja, uma fantasia como a série The once and future King de T. H. White (de onde saiu o A espada era a Lei) lidava com as consequências da guerra tanto quanto Adeus às Armas de Hemingway. E ambos apresentam uma linguagem extremamente estilizada, apesar de apenas um deles ser rotulado de fantasia.

Evidentemente, os artistas envolvidos nas criações da Marvel podem ter intenções diferentes, mas a Marvel (e agora, a Disney) são corporações e assim, têm interesses menos românticos. Quando a Disney adotou a tendência de inclusão em suas animações e filmes, tinha menos a ver com uma questão ética e sim com um ajuste ao perfil do consumidor.

No final dos anos 80, seguiu uma postura globalizante e neoliberal, que adotava superficialmente posicionamentos como feminismo e racismo, identificados com o liberalismo iluminista, como forma de ampliar mercado. Claro que isso proporcionou conquistas que realmente importavam. Mas a corporação continuava sendo a corporação e o mundo mudou.

Um gênio dos quadrinhos foi um que levantou a bola de como a sociedade, se impregnando de filmes de super-heróis, estava andando para um abismo. Mas Alan Moore serviu de Cassandra e suas profecias foram rejeitadas mesmo pelos seus pares. Ele estava certo.
O que isso tem a ver com o novo filme? A fórmula confortável de cada blockbuster hollywoodiano se repente, cada um dos atos crescendo em intensidade, intercalados por momentos emotivos, levando a uma batalha final.

No caso da Marvel: a autorreferência, o diálogo com a base de fãs na forma de easter eggs e cameos, a “inclusão de mentirinha” (se o novo Capitão América é o antigo Falcão, um afro-americano, o novo Falcão é um latino-americano), os fios narrativos soltos que servem para ligar com outras séries e filmes do MCU e o elenco de apoio de qualidade, apesar de condenados aos personagens caricatos, oferecendo pouco ou nada para o ator mostrar talento que os fizeram ser estrelas, como é o caso de Giancarlo Esposito e Tim Blake Nelson, que fazem dois vilões, Coral e o Líder. Tudo se encontra no filme, garantindo o conforto da audiência.

ATENÇÃO: ALERTE DE SPOILER
O roteiro é simples e o diálogo atrapalhado, com piadas sem graça por falta de timing. Mas o pior é que conta a história de um presidente americano, Harrison Ford, de volta ao cargo, que apesar de todas as coisas questionáveis que fez, inclusive para ser eleito, de ser responsável pela destruição parcial da Casa Branca e de quase iniciar uma guerra, se redime, por causa da filha, com um tratado internacional para distribuir recursos com todo o mundo (suponho que tenha se tornado vermelho e comunista), e, voluntariamente se entrega e deixa o cargo para pagar pelos seus crimes. Difícil de acreditar. Com uma estrutura frágil e um espírito ainda mais frágil, o filme desliza.

Sim, pretender que filmes de super-heróis são uma forma de lidar com o mundo real e não rotinas escapistas, cria fantasias absurdas, especialmente se considerarmos que, nesse momento, um Hulk Laranja é o presidente dos Estados Unidos e que a Disney, sempre uma corporação, já anunciou um recuo nas políticas de inclusão, se alinhando com o discurso fascista de Trump.
Isso faz desse filme uma bomba, afinal, o Capitão América real não luta mais contra nazistas.
