Após participações em algumas séries do MCU, o Demolidor e seu arquirrival, o Rei do Crime, mudam de endereço definitivamente da Netflix para a Disney
Stan Lee contribuiu para que a editora Marvel se tornasse conhecida popularmente como a “Casa das Ideias”. E com a ajuda de um grupo de quadrinistas lendários, embora nem sempre valorizados, alardeou a criação de uma série de personagens fantasiados. Porém, o sucesso da Marvel estava mais em aproveitar antigas ideias, com novas roupagens, e principalmente, em muita comunicação com os leitores, do que realmente criar algo.

O MCU de Kevin Feige copiou – surpresa! – a fórmula. Nada mais Marvel do que ver seus filmes e séries seguindo ideias de outras produções. Basta apenas observar que o recente Thunderbolts* apresenta como tema a saúde mental, tem como vilão um personagem que tem múltiplas personalidades, uma delas mais sombria, e que viveu escondendo seus traumas em “planos psíquicos”. Coisa idêntica ao personagem da melhor série de super-heróis já feita, Legion de Noah Hawley (que também deixou traços de influência em outras séries do MCU, como Wandavision e Cavaleiro da Lua).

Esse é o caso de Daredevil: Born Again, que segue o modelo de sucesso das séries do personagem (três temporadas) da Netflix, para reintroduzir Matt Murdoch e Wilson Fisk. Os dois apareceram como cameos ou estranhas participações em outras séries e filmes, inclusive uma versão muito engraçadinha do DD, em She-Hulk. Agora, ele volta ao personagem mais sério, angustiado, e a produção sai um pouco da norma MCU, adicionando violência e temas mais ousados. Como na Netflix.

O curioso é que o personagem – é claro – é um dos menos originais dos quadrinhos da Marvel. Acontece que, nos anos 40, já havia um Demolidor. Criado por Jack Binder, esse demolidor é Bart Hill, que não era cego, mas sim mudo. Como Matt, viu o pai ser morto e decidiu combater o crime, no caso lançando bumerangues. Sim, alguns detalhezinhos foram modificados por Lee, Bill Everett e Jack Kirby em 1964, quando atualizaram o personagem.

Born Again caminha em um terreno firme: a Netflix já havia estabelecido a receita do sucesso: Charlie Cox e Vincent D’Onofrio. As interpretações de ambos facilitam até mesmo a inconsistência da série, os pequenos deslizes do roteiro (que foi várias vezes reescritos) e uma trama paralela bem morna, introduzindo o serial killer mascarado Muse. O auge é a cena do único encontro real de ambos, em um café. Apesar de parecerem se separar, eles continuam dividindo o mesmo roteiro: Matt acredita que jamais voltará a ser um vigilante e Fisk, que realmente protegerá Nova York e não mais será um gângster. Prova de que retas paralelas se encontram no infinito.

Para reintroduzir os dois personagens, a produção tem uma sacada: você já percebeu que grande parte dos mais interessantes filmes e séries são histórias de origem (mas, isso não é apenas quadrinhos. Jornadas de autodescoberta são muito sedutoras, assim como a investigação do mistério é mais interessante do que a solução)? Born Again é uma história de origem, mas não uma repetição do que a Netflix já contara. Não, são essencialmente os mesmos personagens, carregando as mesmas experiências. Como estavam “aposentados”, a jornada para voltarem a ser quem sempre foram funciona tanto quanto a primeira vez que a espada saiu da pedra.

É uma introdução eficiente ao MCU (que comparece com o aumento de referências aos heróis uniformizados – algo raro até nos Defensores da Netflix – pois, além da reintrodução do Justiceiro e do Mercenário, temos o Tigre Branco, o Espadachim (que foi apresentado na série do Gavião Arqueiro) e uma referência à Kamala, a Miss Marvel. Como essa integração vai funcionar (Thunderbolts* meio que joga para o alto a lógica do plano final de Fisk) e qual será impacto na segunda temporada, é coisa para se ver.

Afinal, copiar a Netflix é ruim? Não para Balzac, que, segundo anedota apócrifa, teria cumprimentado um escritor iniciante. O motivo? O novato copiara um texto dele, Balzac e, portanto, merecia elogios. Se vai copiar, que copie os melhores. A Marvel tem feito isso desde sempre e tenho certeza que Stan Lee manda seus cumprimentos para Kevin Feige.
