Dungeons & Dragons: Honra entre Rebeldes e o que é RPG

Confira a crítica sem spoilers do novo filme que levou nosso hobby para as telas. E uma viagem pela memória do João Camilo…

Talvez, o normal seria começar falando sobre Roleplaying Games (RPG), especialmente Dungeons & Dragons, e o impacto literário gerado nos anos 70, quando o jogo foi criado. Pois se trata, basicamente, de uma manifestação da oralidade na idade contemporânea, do jeito que (o medievalista, crítico literário, historiador da literatura e linguista suíço) Paul Zumthor adoraria: um grupo de pessoas se reúne para ouvir um deles contar uma história. 

Justice Smith plays Simon, Chris Pine plays Edgin, Sophia Lillis plays Doric and Michelle Rodriguez plays Holga in Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves from Paramount Pictures.

Esse impacto é menos pela presença de elementos lúdicos, o jogar, visto que a tradição, especialmente a oral, já incorporava esses elementos e, sim, pela interatividade entre a audiência e o performer (o tal do mestre). Não se trata simplesmente da tal da quebra da quarta parede levado a cabo pelo teatro do (dramaturgo, poeta e romancista alemão) Bertolt Brecht. E sim o grau desta interatividade, já que a audiência, neste caso, é também responsável pela narrativa para ser, efetivamente, audiência e cúmplice. 

Confira a crítica sem spoilers do filme Dungeons & Dragons: honra entre rebeldes. E uma viagem pela memória do João Camilo

Eu seria levado a mencionar que essas narrativas, pela espontaneidade e, também falta de construção dramática dos participantes, é ancorada em ação, é episódica e pouco sofisticada. E faz uso principalmente de personagens simplificados e estereotipados, deixando claro as fontes onde buscam os elementos para a criação (por exemplo, Tolkien e Robert E. Howard, mas não sendo limitados a esses cenários de fantasia, podendo fazer uso de Lovecraft, Star Wars ou Pernalonga). Essas características permanecem até quando novelas literárias são criadas explorando os cenários criados pelo RPG. 

Faria sentido, pois os personagens e a narrativa do filme Dungeons & Dragons: Honra entre Rebeldes segue esses padrões. Mas, prefiro destacar que a mais relevante inspiração para o filme é o humor inglês. Desde Monty Python (veja as animações dos créditos do filme) até, e principalmente, Terry Pratchet e o seu Discworld. O filme é uma comédia de fantasia, com a mesma complexidade de um episódio do desenho Caverna do Dragão, produzido nos 80s e que foi como, até quem mesmo não jogava RPG, jogava.

E como brasileiro que viveu naquela época, tenho a melhor descrição para este longa-metragem: é um filme Sessão da Tarde. A falta de complexidade, sem as pretensões gameofthroneanas, ajuda-o a não cometer erros notáveis. Como se trata de mais um produto do fandom geek e fandoms geeks estão sendo explorados até o bago por Hollywood, o filme traz referências o suficiente para agradar os rpgistas, que, introduzidas de maneira bem orgânica (ou com a pitada de farsa, no caso do Paladino), não causam estranheza para quem não tem nada a ver com rolamento de D20s. Ou seja, Sessão da Tarde com pipoca. 

Os anos 80, período em que o jogo se desenvolveu, nos deu alguns filmes que são referência para qualquer rpgista e são fantasias melhores, como o primeiro Conan, O Feitiço de Áquila, e a comédia A Princesa Prometida. Isso não quer dizer que este filme é um fracasso. Sua humildade em não tentar impor regras e as restrições de cronologias e árvores familiares, permite o que esses exercícios de imaginação têm de melhor: deixam em aberto as possibilidades para que todos possam contar e ouvir uma história. Não engasga, mesmo que, no final das contas, pipoca seja apenas milho e tenha peruá.

Confira a crítica sem spoilers do filme Dungeons & Dragons: honra entre rebeldes. E uma viagem pela memória do João Camilo

Nota sobre a sigla RPG: quando a Jabbework funcionava nas Lojas Bakana, eu estava conversando com um vendedor na área de livros didáticos e um pai e uma filha se aproximaram. Ele perguntou o que era RPG e antes que eu respondesse a filha soltou: Reunião de Palhaços Gays. Eram os anos 90. A busca no Altavista resultaria em encontrar a sigla como o nome de uma das armas do jogo Duke Nukem (Rocket Propelled Grenade) ou relacionada com fisioterapia (Reeducação Postural Global). A Jabbework? Um dos espaços para RPG que tivemos nos Anos 90 em Belo Horizonte. Também tinha GURPS. 

Publicado por João Camilo de Oliveira Torres

Escritor, podcasterEditor do Quixote + Do, autor do roteiro da Graphic Novel “Sci Fi Punk Project”, participou de várias coletâneas do Livro de Graça na Praça, e da coletânea “Ler Novos Autores” da Editora Jaguaratirica, “Beleza e Simplicidade” da Editora Assis, “Cheiro de Minas” e “Laços de Avós” da Páginas e das antologias de poesia “P.S. It’s poetry” e “P.S. It’s still poetry”, lançadas nos Estados Unidos. .

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